POR O GLOBO
RIO - Zezé Teixeira não consegue ficar um dia sem entrar no “Face”, como chama a maior rede social do mundo. Se vai a uma festa, registra o evento no ato pelo site. Se algo diferente acontece na sua rotina, é lá que conta ao mundo. Quando precisa conversar com amigas e familiares, adivinhe o que ela faz. Zezé tem 83 anos e nem de longe é caso único na sua geração. Ela integra um grupo de pessoas que apresenta as taxas mais aceleradas de inclusão digital. Se se toma uma faixa maior, dos brasileiros com 50 anos ou mais, a evolução no número de conectados é gigantesca: entre 2005 e 2011, o salto foi de 222,3%, de 2,514 milhões para 8,101 milhões, tornando-os 18,4% de todos os internautas do país. Vale lembrar que a população de 50 anos ou mais era de 39 milhões, o que deixa espaço para um crescimento muito maior. Os dados são da mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), do IBGE.
— Gosto de conversar e de escrever, então gosto muito da interação pela rede. Adoro quando as pessoas compartilham, curtem ou comentam algo que publiquei — descreve Zezé, mãe de seis filhos, tia de 14 sobrinhos e avó de seis netos, que vive em Niterói, no Grande Rio. — Quando preciso me distrair ou falar com a família, vou para o “Face”, e pronto.
Ainda que admita ter dificuldades no uso do computador, a aposentada nega se sentir desestimulada. A cada “curtida” que recebe, a animação aumenta:
— A interação acaba sendo uma motivação muito boa para mim, faz com que eu me sinta melhor.
Além da Pnad, diferentes pesquisas comprovam o espantoso crescimento na conexão de não nativos digitais. A última TIC Domicílios do Comitê Gestor da Internet (CGI), que mede o uso das tecnologias da informação e comunicação nas residências brasileiras, indica que o país ganhou 2,8 milhões de novos usuários de internet com 45 anos ou mais em apenas um ano, entre 2011 e 2012. Desses, 1,7 milhão são novos usuários de redes sociais — um percentual de crescimento de 17% no período.
Lá fora, a tendência se repete. Em 2013, um levantamento do Centro de Pesquisas Pew, nos EUA, indicou que a faixa de usuários com mais de 65 anos foi a que mais teve crescimento nas redes sociais do país — um aumento de 10% em só um ano —, e 45% desse público já era usuário contumaz da rede por lá.
— Se você refletir sobre as redes sociais, é possível considerá-las uma espécie de porta de entrada para o ambiente digital, pois são mais fáceis de usar. Por isso são tão utilizadas por pessoas de todos os segmentos, inclusive os mais velhos — afirma Winston Oyadomari, analista de pesquisas do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação do CGI (Cetic.br).
Menos jovens na maior rede social
O fenômeno contrasta com a perda de interesse dos mais jovens pelas redes tradicionais: a mesma pesquisa do Pew indica que, em 2013, o Facebook, especificamente, sofreu uma redução, em apenas um ano, de dois pontos percentuais no seu número de usuários entre 18 e 29 anos, o que os levou de 86% para 84% do total.
Quanto ao uso das tecnologias móveis, um levantamento conduzido este ano pelo site de cupons de compras Voucher Cloud, com 2.241 americanos entre 50 e 75 anos, revela que 71% dos entrevistados se sentem confortáveis utilizando smartphones e tablets.
O carioca Sérgio Santos tem apenas 52 anos e não enfrenta, portanto, a estranheza que os idosos têm ao conhecer tantos dispositivos contemporâneos. Tampouco é um nativo digital. Numa espécie de fronteira geracional, ele incorporou radicalmente a tecnologia ao dia dia. Dono de um tablet e de um smartphone, usa o Facebook constantemente:
— A tecnologia tem um papel central na minha vida, mas não é uma dependência. Uso para pesquisas, para consumir conteúdos, para trabalhar e, nas redes sociais, comunicar-me com conhecidos e familiares. Estou sempre conectado, até na casa de praia.
Para Gina Páscoa, doutoranda da Universidade de Lisboa especializada no uso de tecnologia de informação e comunicação por idosos, não há dúvida de que uma parcela crescente deles vem atentando para a necessidade de se incluir digitalmente.
— A maior parte das pessoas desse segmento não contou com essas ferramentas nas suas vidas, mas hoje conhece a dimensão e a utilidade das mesmas. E essa faixa etária não quer ficar à margem dos avanços, quer acompanhar os mais novos.
O envelhecimento global da população tem muito a ver com isso.
— Esse envelhecimento tende a ser ativo, positivo e saudável, onde a aprendizagem é uma constante. As redes sociais e as tecnologias fazem parte dele — pondera a pesquisadora.
Instrutora de um Centro de Internet Comunitária (CIC) da Prefeitura do Rio na Tijuca, Margarete Serber diz observar de perto o interesse crescente dos mais velhos pela tecnologia:
— A maioria das pessoas que frequentam o nosso espaço tem mais de 50 anos. São eles que mais procuram as aulas para aprender a mexer no computador, especialmente por causa das redes sociais. Tenho alunos com 80 anos, que chegam sem noções básicas de informática mas já perguntam pelo Facebook.
Após aprofundar os seus conhecimentos em um CIC carioca, Vilma de Moura, de 75 anos, passou de aluna a “mestre”.
Para Henrique Teixeira Gil, professor adjunto na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Castelo Branco, em Lisboa, alguns dos principais obstáculos que os mais velhos têm para o uso da tecnologia ainda são a falta de competências digitais na formação e a pouca exposição às tecnologias da informação:
— Muitos não se sentem à vontade em experimentá-las, têm medo de “estragar”, de errar, de não conseguir usar.
Para ultrapassar essas barreiras, o professor ressalta a importância de programas e iniciativas públicas que visam à inclusão digital dos mais velhos, com planos de atividades que levem em consideração particularidades, interesses e necessidades deles.
Fórmula para reduzir o isolamento
Uma vez vencidos os obstáculos iniciais, não há dúvida sobre os benefícios que a tecnologia proporciona. É o que afirma Tom Kamber, diretor executivo da ONG americana "Older Adults Technology Services" (OATS), que desenvolve ações e programas de inclusão digital para a terceira idade nos Estados Unidos:
— A tecnologia é uma ferramenta fantástica para a comunicação. Quando usada pelos mais velhos, é notável o poder que ela tem de aumentar a sua inclusão social e reduzir o seu isolamento. Além disso, é uma fonte inesgotável de informações e serviços que podem facilitar a vida dessas pessoas, levando conveniências e benefícios ao dia a dia e à saúde.
Apelidada de “vovó do Facebook” pelos amigos da neta de 23 anos, devido ao uso que faz da rede, Iracema Thereza Zugliani, de 81 anos, atesta a importância da tecnologia para pessoas como ela:
— Hoje em dia, as redes sociais e esses celulares inteligentes acabam sendo muito importantes para a comunicação com família e amigos. Além disso, é possível encontrar muita coisa interessante neles. Não podemos ficar para trás, é importante conhecer o que está levando o mundo.